quarta-feira, 4 de março de 2015

Balança tem pior fevereiro desde 1980 e déficit no ano vai a US$6 bi


A balança comercial em fevereiro registrou um déficit de US$ 2,842 bilhões, o pior resultado para o mês da série histórica iniciada em 1980. No acumulado do ano, o saldo negativo chegou a US$ 6,016 bilhões, o segundo pior da série.

Apesar desse desempenho, o governo manteve a expectativa de um superávit no comércio internacional em 2015, sustentado pelo aumento de vendas para os Estados Unidos, melhor desempenho dos dados de petróleo, alta na safra de grãos e desvalorização do real. Analistas também acreditam neste desempenho, mas diante de uma perspectiva ruim: forte queda nas importações causada pela baixa atividade econômica.

Tanto as exportações como as importações recuaram em fevereiro na comparação com igual mês do ano passado. As retrações foram de 15,7%, no caso das vendas internacionais, e de 8,1% em relação às compras de bens estrangeiros.

Medidas aditadas pelo governo para ajustar as contas públicas, como elevação de impostos, e a redução do poder de consumo das famílias devem travar a entrada de produtos internacionais. "É de se esperar um impacto recessivo mais aprofundado na economia, o que acaba influenciando mais negativamente as importações. Mas isso não é nada de se aplaudir", disse André Nassif, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Dados divulgados ontem pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) mostraram um recuo de 20,3% na entrada de combustíveis e lubrificantes e de 8% no caso de bens de capitais. "Quando uma economia tende a crescer, aumentam as importações de combustíveis e bens de capital. Quando o país sinaliza que vai desacelerar ou entra em recessão, tem um impacto muito negativo sobre essas importações", disse Nassif.

Além disso, a recente desvalorização do real deve diminuir ainda mais as compras de bens estrangeiros nos próximos meses, avaliou o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. "Até agora a queda está em níveis 'civilizados' e acho que vai ficar mais 'selvagem'", disse. A previsão da AEB é que a balança comercial registre um superávit de aproximadamente US$ 8 bilhões em 2015, mas esse valor pode ser revisado em julho.

O movimento do câmbio tornou o cenário menos favorável às importações e, por outro lado, estimula as exportações. O governo analisa que o nível do dólar melhorou, porém ainda há instabilidade. "Esse [o câmbio] é um dos fatores que influenciam as exportações, mas não é o único. O preço tem sido mais determinante para explicar o comportamento" da balança comercial, disse Herlon Brandão, diretor de estatística e apoio à exportação da Secretaria de Comércio Exterior do Mdic.

Houve, em fevereiro, baixa nas vendas ao exterior de todas as três categorias de produtos listadas pelo governo: básicos (22,7%), semimanufaturados (2,3%,) e manufaturados (11,1%). As principais retrações foram registradas por soja em grãos, minério de ferro, carne bovina e petróleo. O governo ressaltou que os preços de importantes produtos da pauta exportadora do país caíram nos dois primeiros meses do ano frente ao mesmo período em 2014, chegando a quase 50% nos casos de minério de ferro e de petróleo em bruto.

Na avaliação do diretor-geral da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), Ricardo Markwald, "não é provável um aumento nas vendas desses produtos [petróleo, soja e minério de ferro] ao exterior capaz de compensar a queda nos preços". A expectativa do governo, segundo Brandão, é que o preço das commodities se estabilize nos próximos meses.

Mais uma vez a queda na importação de petróleo surpreendeu analistas. Após uma retração de 81,7% em janeiro na comparação com o primeiro mês do ano passado, as compras desse produto caíram 38,6% em fevereiro ante igual mês de 2014, recuando de US$ 1,616 bilhão para US$ 893 milhões. A explicação do ministério é o menor preço internacional do petróleo. Mas a AEB também acredita numa redução dos desembarques da Petrobras por causa, por exemplo, de estoques elevados.

Esse comportamento contribuiu para que o saldo das exportações e importações de petróleo e derivados registrasse uma melhora. O déficit da chamada conta-petróleo no primeiro bimestre do ano passado foi de US$ 3,640 bilhões. Nos dois primeiros meses deste ano, o resultado negativo foi de US$ 2,473 bilhões.

Sobre a greve dos caminhoneiros que causou transtornos a empresas no fim do mês passado, o Mdic informou que ainda é cedo para saber o efeito dos recentes bloqueios a rodovias do país nos dados da balança comercial.

Para Brandão, o movimento grevista pode ter uma relação com a redução da média de exportação na última semana do mês. "Não podemos fazer uma associação direta. Tem que aguardar os próximos dias para ver o efeito" da greve, afirmou.

Valor Econômico – Brasil – 03/03/2015 – Pág. A4